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Soberania nacional – por Almir Pazzianotto 

Advertiu Ortega Y Gasset que “a palavra é sacramento de mui difícil administração”. Convencido do acerto deste aviso, tentarei tratar do tema soberania com todo o cuidado, pois a expressão está sendo utilizada, nestes últimos dias, de maneira nem sempre apropriada.

Soberania deriva da palavra soberano, aquele que exerce sem restrição, nem neutralização, poder ou autoridade suprema. Dom Pedro I tinha o título de Chefe Supremo da Nação e de seu Primeiro Representante, sendo a pessoa do Imperador considerada inviolável e sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma. Era, portanto, o nosso soberano.

Soberania, segundo os dicionários, tem vários significados. No plano das relações internacionais é aceitável a definição encontrada no Dicionário Houaiss, como poder político supremo do Estado, como afirmação da sua personalidade independente, de sua autoridade plena e governo próprio, dentro do território nacional e em suas relações com outros Estados.

No Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, o conceito, em sentido lato, dito de outra maneira não deixa de ser semelhante: A soberania pretende ser “a racionalização jurídica do poder, no sentido da transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito” (Ed. UNB, DF, Quinta Edição, vol. II, pág. 1.179).

A Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945 por 53 países, possui hoje 193 filiados, todos dotados de soberania. Afeganistão, África do Sul, Antígua e Barbuda, Belarus, Bélgica, Bolívia, Chade, Chile, Costa do Marfim, China, Estados Unidos, Estônia, Gabão, Guiné-Bissau, Índia, Indonésia, Finlândia, França, Ilhas Salomão, Irã, Iraque, Líbano, Luxemburgo, Malásia, Malta, Moldávia, Panamá, Portugal, Sri Lanka, Taiwan, Ucrânia, Venezuela, Vietnã, são alguns dos países agregados à ONU, embora possa se dizer que uns são mais soberanos do que outros, no que se refere à independência econômica, ao grau de desenvolvimento tecnológico e ao poderio militar.

Com efeito, se está correta a definição do Dicionário Houaiss, é decisivo o aspecto do relacionamento entre países soberanos. Veja-se o caso da Ucrânia, cuja soberania não a protege contra a agressão da Rússia, ou a situação da Síria e do Líbano, alvos da constantes ataques aéreos e terrestres de Israel. A Faixa de Gaza não teve a soberania reconhecida, mas o fato de não a ter nada justifica a condenação à fome e à morte de milhares de palestinos, imposta pelo criminoso ditador Benjamin Netanyahu.

Ser independente no plano econômico é requisito da autêntica soberania. Tal independência costuma ser aquilatada pela riqueza interna, traduzida no Produto Industrial Bruto – PIB. No ranking mundial, pelo nível de desenvolvimento econômico, o Brasil ocupa hoje a 10ª posição, abaixo dos EUA, China, União Europeia, Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Itália, Canadá. US$ 26 trilhões nos separam dos EUA, o primeiro colocado, US$ 16 trilhões da China, o segundo.

Quanto à soberania tecnológica, intimamente ligada à soberania econômica, pouco me parece necessário dizer. Neste quesito, a nossa dependência em relação aos países do primeiro mundo é quase absoluta. Vejam-se as indústrias naval, aeronáutica e automobilística. Os equipamentos eletrônicos embarcados são predominantemente importados, o que não é um desdouro, mas reveladores do elevado grau de dependência.

No tocante ao quesito poder militar, definido por Raymond Aron como “a capacidade que tem uma unidade política de impor ou de resistir à vontade de outra” (Paz e Guerra entre as nações, ed. UNB, 1ª ed., 2018, pág. 57), as Forças Armadas, segundo se diz, enfrentam crônica escassez de armas e de munição. A Aeronáutica depende da importação de aeronaves de combate de última geração, a maior parte do tempo mantidas no solo, para economizar combustível.

O assunto soberania nacional ganhou destaque após recentes declarações do presidente Lula, para rechaçar a imposição do tarifaço pelo presidente norte-americano, Donald Trump. Seria melhor não confundir uma coisa com outra. O tarifaço, por prejudicial que nos seja, é manifestação da soberania dos Estados Unidos. Da mesma maneira barreiras alfandegarias, decretadas pelo nosso governo à importação de produtos estrangeiros, não podem ser contestadas pelos países vendedores.

A aquisição de automóveis alemães ou suecos, de relógios suíços, de perfumes franceses, de chocolates belgas, de blusinhas e ferramentas chinesas, enfrenta barreiras alfandegárias nos portos brasileiros, impostas pelo governo no exercício da nossa soberania. O mesmo acontece com o deferimento de passaportes e vistos de entrada e de permanência, concedidos ou não de acordo com a nossa conveniência.

A questão está posta e deve ser resolvida com inteligência, diante da inutilidade da tentativa de emprego da força. Está na hora de calçar as sandálias da humildade e procurar a Casa Branca.

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