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Caçulinha. Por Luiz Eduardo Pesce de Arruda

Em 05 de agosto de 2024, o Brasil chorou a perda de Rubens Antônio da Silva, Rubinho para os mais próximos, Caçulinha para o mundo.

Ouvido absoluto – afinava o vilão de João Gilberto, profissional ao extremo, todos os que o conheceram admiravam sua integridade, sua generosidade e sua humildade, própria de quem sabe, sabe que sabe – mas que sabe que não sabe, e nunca saberá tudo.

Quem me contou essa foi o Samir. Era 1967, TV Record, fundada em 1953, era agora a líder de audiência no Brasil. Caçulinha era contratado da emissora e acompanhava todo mundo: Roberto Carlos, Jovem Guarda, Jair Rodrigues, Elis.

Elis Regina, a garota de ouro da Record, conversava com o Caçulinha no café:

  • Caçulinha, quanto você ganha?

Modesto, Caçulinha revelou que ganhava 4.000 cruzeiros por mês.

Aí, aflorou o espírito da “Pimentinha”:

  • Caçula, isso é uma vergonha! Eu ganho 12.000, o Roberto ganha 15, e você ganha só quatro?

Caçulinha fez cara de conformado e disse que sim, mas que estava bom.

  • Bom nada! Todo mundo aqui depende de você, você é nosso professor, ganhando 1/3 do que eu ganho? Isto é uma miséria! Vamos falar agora com o Dr Paulo.

Paulo Machado de Carvalho era o fundador e dono da TV, um mito no esporte (como “Marechal da Vitória”, liderara, a convite de João Havelange, as delegações do Brasil à Suécia e a Santiago do Chile, nos dois campeonatos mundiais de futebol), um herói da Revolução Constitucionalista, querido em São Paulo e no Brasil inteiro. E adorava o jeito de moleca e o extraordinário talento de Elis. Por isso, a tratava paternalmente e ela tinha porta aberta na presidência.
Elis saiu correndo e, literalmente, invadiu a sala, com Caçulinha resfolegando, apavorado a reboque, só pedindo:

  • Deixa Elis, deixa, Elis….
  • Fala, Elis! – disse jovialmente o Dr Paulo.
  • Olha, doutor Paulo, eu estou aqui com o Caçulinha pra pedir um aumento de salário para ele. Não é justo ele estar na emissora mais legal do Brasil e ganhando essa miséria!

Afável, Dr. Paulo explicou pacientemente:

  • Elis, Elis, minha filha, não é assim… Temos muitas despesas, o cast é muito grande, e eu não posso ficar aumentando o salário de um, senão os outros, quando souberem, virão todos bater à minha porta. E o que eu digo a eles?
    Dirigiu-se a Caçulinha:
  • Eu reconheço o seu valor, viu Caçulinha – Caçulinha, gelado, fez que sim com a cabeça – mas peço um pouco de paciência que, na primeira oportunidade a gente corrige isso. É isso, então?
  • Nada disso, doutor Paulo! O Caçulinha é um músico renomado e o passe dele é disputado. O aumento tem que ser agora!

Doutor Paulo, um poço de paciência, estava começando a se enervar com aquilo. E o pior: com o Caçulinha.

  • Seu Caçulinha, eu acho que eu me fiz entender, não é? Bem, bom trabalho para vocês. E começou a rabiscar alguma coisa sobre a mesa.
    Elis não desistia:
  • Então é assim? Agora eu vou dar um xeque-mate no senhor. Ou o senhor aumenta o salário do Caçula ou ele está fora!

O Dr Paulo se irritou e não titubeou:

  • OK, Caçulinha, sendo assim, então você está fora!

O Caçulinha quase chorou. Como sustentar a família? Ele precisava muito do emprego. Levou alguns dias pra “turma do deixa-disso” convencer o Dr. Paulo que o Caçulinha era inocente na história e, assim, reverter a demissão. Caçulinha foi recontratado. Com o mesmo salário.

Feliz em trabalhar de novo na Record, Caçulinha recomendava:

  • A Elis é maravilhosa. Mas nunca peçam a ela pra negociar seu aumento!

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