No contexto brasileiro contemporâneo, a limitação à liberdade de expressão deixou de ser apenas uma apreensão teórica e passou a ser um dado da realidade concreta. Desde 2019, o ministro Alexandre de Moraes, membro do Supremo Tribunal Federal, assume papel central na condução de um combate ostensivo às chamadas fake news. Para muitos dos seus críticos, sua atuação ultrapassa os limites estritamente constitucionais, promovendo a concentração inédita de funções típicas dos três poderes da República em uma só figura institucional.
Alexandre de Moraes não hesitou em utilizar instrumentos jurídicos para determinar a prisão de agentes políticos, impor a suspensão de contas em redes sociais pertencentes a jornalistas, parlamentares e cidadãos, além de interditar — ainda que temporariamente — o acesso a plataformas como X (anteriormente Twitter) e Rumble no território brasileiro.
A ascensão ao comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022 conferiu-lhe protagonismo ainda maior, especialmente no que diz respeito à regulação do processo eleitoral. Sob sua presidência, o TSE passou a adotar medidas incisivas contra o que classifica como “disseminação e compartilhamento de informações sabidamente falsas ou gravemente descontextualizadas com impacto sobre o processo eleitoral”.
No entanto, é inegável que todo ciclo eleitoral é permeado por discursos e acusações que, invariavelmente, a parte contrária considera enganosos ou injustos. E há múltiplos registros em que manifestações de natureza política explícita foram objeto de censura por parte do Judiciário — situações essas que, em paradigmas democráticos consolidados, seriam legitimamente avaliadas pela sociedade civil, pela imprensa e pelos próprios eleitores.
O Brasil conduz ainda outras iniciativas de restrição à liberdade de expressão. Exemplo emblemático foi a condenação, recente, de um comediante a oito anos de prisão por declarações entendidas como racistas e de incitação ao ódio — punição severa que gerou debate intenso no âmbito nacional e internacional.
Paralelamente, uma decisão do STF tornou sem efeito uma lei que protegia plataformas digitais da responsabilização direta pelo conteúdo gerado por terceiros, salvo mediante ordem judicial clara. Com a mudança, empresas de tecnologia passam a ser ameaçadas de responsabilização objetiva por aquilo que circula em suas redes, situação altamente delicada para um país com tamanha população e volume de dados.
Apesar do caráter autoritário atribuído à atuação de Alexandre de Moraes, uma parcela significativa da sociedade enxerga suas atitudes — e a ascensão da censura digital — como estratégias necessárias para salvaguardar a democracia diante da ameaça de retrocesso autoritário.
Este cenário evidencia a intensa polarização do país. Para muitos brasileiros, “liberdade de expressão” tornou-se expressão correlata à retórica da extrema direita e do ex-presidente Jair Bolsonaro, derrotado por margem estreita para Lula, do Partido dos Trabalhadores, nas eleições de 2022.
A fratura social se cristalizou ainda mais após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando partidários bolsonaristas atacaram os edifícios dos Três Poderes, em um eco mal ensaiado da invasão do Capitólio norte-americano. Tal episódio escancarou a insuficiência das ações censoras em estancar a disseminação de teorias conspiratórias e desinformação, e em convencer os opositores do resultado eleitoral.
Alexandre de Moraes, portanto, permanece como figura que provoca tanto apoio apaixonado quanto rejeição veemente — ora considerado o guardião da democracia, ora símbolo de práticas autoritárias e de sufocamento do debate público.
Desse modo, a jovem democracia brasileira parece ter-se encurralado. Quando instituições optam por medidas censórias tidas como “necessárias” à proteção do sistema democrático, apesar da ausência de resultados concretos, torna-se inevitável o questionamento: que preço se está disposto a pagar, em termos de liberdade civil, para supostamente preservar a ordem democrática? E até quando é possível sustentar a democracia se se renuncia aos princípios fundamentais que a estruturam? Na Europa, esse estágio ainda não foi atingido, mas os indícios apontam para uma tendência semelhante: democracias liberais passam a tratar a liberdade de expressão com desconfiança, recorrendo a legislações cada vez mais restritivas em nome da estabilidade política. Resta saber se o continente conseguirá impor limites claros a essa tendência, evitando repetir o caminho já trilhado pelo Brasil.