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O jornalismo em extinção. Por Vicente Cascione

Dentro do conceito de Imprensa, o Jornalismo – em sentido estrito – é o exercício profissional de uma atividade cujo objeto – a partir de um compromisso sagrado e absoluto com a verdade – consiste em coletar, verificar e investigar os atos, fatos, eventos, acontecimentos, fenômenos, acasos, e ocorrências que constituem a essência e o conteúdo das informações e notícias transmitidas por qualquer meio de comunicação de massa. Pois bem, na agônica Imprensa atual, neste tempo anômalo denominado “pós-normal”, um tempo imerso no atraso retrógrado da pós-modernidade, o Jornalismo está em fase de extinção. Para sua extinção concorrem duas causas em conjunção: uma causa exógena, consistente na contaminação do Jornalismo por agentes externos; e uma causa endógena, degenerativa do Jornalismo por obra de seus próprios atores internos, vale dizer, os jornalistas promotores de sua auto-extinção. Há, portanto, um homicídio perpetrado contra o Jornalismo por forças que o corrompem, manipulam, intimidam, censuram, e o cerceiam; e há um gesto de suicídio quase coletivo de jornalistas majoritários para os quais o risco da autodestruição do Jornalismo é aceito porque eles o exercem com o fim de satisfazer interesses pessoais não coincidentes com os propósitos do Jornalismo. Por isso, sem terem senso ético, sem serem dotados de honestidade moral ou intelectual, ou deixando-se arrastar por impulsos psicopatológicos, eles atuam em alternâncias, de uma maneira reprovável, absurda, doentia, sórdida, abjeta e torpe. Omitem a informação ou a alteram; falseiam ou deformam a realidade; e assassinam a verdade.

A Imprensa e o Jornalismo, hígidos e sadios, foram relevantes para levar informação e formação à sociedade, deixando livre o caminho para a passagem vital da Liberdade acompanhada pelos fatores de adaptação social – Religião, Moral, Arte, Ciência, Economia, Política, Direito – (quando vividos com as letras maiúsculas) fontes de luz para mentes e corações humanos.

A degringolada, a ruína e a decadência geral da Imprensa/Jornalismo são, atualmente, um fenômeno mundial demonstrado por exceções apenas confirmatórias da regra. Essa grave crise gera pauperismo e inânia no campo do conhecimento humano; estende um deserto no âmbito do pensamento; abre espaços de dúvidas abissais na terra arrasada das certezas e convicções; espalha um pântano antropofágico na planície das relações sociais; incita os instintos e impulsos despóticos dos violadores e desaplicadores do Direito e da Justiça; institui e institucionaliza a promiscuidade nos poderes e nos governos; instiga o uso abusivo da tecnologia estendida a partir da imbecilização da mente humana até a presente e hegemônica inteligência artificial; estimula os movimentos de deseducação prevalentes sobre a inércia do processo educacional; escancara corações e espíritos para a penetração do ódio, da indiferença, e da intolerância destrutivos de uma eventual tendência socializante, e edificadores do individualismo, egocentrismo, egoísmo, e narcisismo, atributos negativos dominantes sobre as virtudes humanas cada vez mais impotentes para estabelecer uma humanidade gregária, uma sociedade de forças centrípetas responsáveis pela atração do bem, e de energias centrífugas hábeis para afastar o mal.

Ao entrar no campo da comunicação e da informação de massa do tempo atual, poderia abster-me de referir a óbvia evolução havida desde a prensa de Johann Gutenberg, nascedouro da Imprensa, até o advento do computador e da internet, de onde vieram as mídias sociais e as redes sociais. A produção do primeiro livro (Bíblia) no século XV foi o início da revolução na difusão do conhecimento e da informação levados a um número sempre crescente de destinatários. Esse fato foi fundamental, por exemplo, para realizar-se a Reforma Protestante, no século XVI, pois a Bíblia fora impressa em alemão, ao invés do latim inacessível à leitura da grande maioria. Com o aparecimento constantemente evolutivo dos jornais, revistas, rádio e televisão, principalmente a partir da telefonia, dos cabos submarinos, e dos satélites, já o planeta Terra consolidara-se na condição de “aldeia global” definida na década de 1960 pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan, para quem os meios de comunicação eliminariam as distâncias entre continentes, povos e nações, produzindo o rompimento de fronteiras culturais, sociais, e até mesmo geográficas e étnicas, isto é, estava a surgir um novo mundo onde todos estariam interligados numa cultura unificada por meio da tecnologia. E vemos aí a realidade tecnológica em sua vertiginosa evolução, a transformar o inconcebível produto científico de cada véspera, no cacareco obsoleto do seu dia seguinte.

E vieram mídia, rede social, redes digitais e online, sites, blogs, plataformas, e tudo isso pode resumir-se numa expressão: são as redes por meios das quais a informação e o conhecimento, verdadeiros ou falsos, são enviados e recebidos por bilhões de habitantes do planeta, em tempo real, principalmente pelo espelho dos satélites ou via internet.

Temos, portanto, a informação divulgada e difundida pela chamada grande mídia, mídia tradicional ou simplesmente grande imprensa, composta pelos jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, cujos agentes produtores da informação são os chamados jornalistas; e temos esse formidável mundo paralelo produtor da comunicação de massa por meio das redes sociais nas quais bilhões de pessoas divulgam, amplificam, e multiplicam informações, exercendo um “jornalismo” global, inimaginável há algumas décadas. Inevitavelmente, na amplidão dessa realidade, bilhões de pessoas observadoras dos fatos verdadeiros, falsos ou fictícios, são muitas vezes elas próprias, intencionalmente ou não, as fontes de falsas informações transmitidas por esses meios de divulgação. Porém são minoria absoluta.

Mas, diferentemente desse novo e imenso universo na área da informação, onde funcionam bilhões de agentes, o campo da mídia ou imprensa tradicional tem, como atores e agentes informativos em exercício, jornalistas profissionais específicos, aos quais são impostos deveres éticos, morais e intelectuais para poderem assumir o pacto do compromisso absoluto com a verdade. As informações divulgadas pelos jornalistas profissionais devem ser certas, exatas, completas, e fiéis à verdade. É-lhes inadmissível omiti-las, alterá-las, ou deformá-las. Não é essa, porém, a realidade exposta aos nossos olhos. Com descaramento, falta de vergonha, desfaçatez e despudor, o Jornalismo contemporâneo, em fase de extinção, já não cuida de esconder esses atributos incompatíveis com sua missão. Produz a mentira, nega a verdade ou a deturpa, interpreta a informação com o dolo do erro, e opina sobre ela contaminando-a pela deturpação da realidade; e faz tudo isso emergir das trevas onde habita a sua consciência, ou a falta dela. Eles enganam os ingênuos, os incautos, os seres de boa fé, os crédulos, os frágeis de pensamento, de capacidade de cognição, os desprovidos de senso crítico, e até mesmo os desatentos ou distraídos, fértil terreno para a semeadura da mentira.

O atual atentado contra Donald Trump trouxe à luz como atua uma expressiva parte da imprensa dos Estados Unidos, fraudando e escondendo os fatos de um jeito de provocar asco. Na sua esteira, a imprensa brasileira, majoritária, deu-me nojo. E à sua sombra, copistas putrefatos, opinaram, comentaram, e indecentemente, provocaram-me uma ânsia de vômito moral, impossível de ser contido. Não é de agora a origem dos males. No Brasil, eles vêm ocorrendo e recrudescendo, vertiginosamente diante dos olhos de quem quer ver. E tudo acontece com o comando, a má fé, a cumplicidade, a tolerância de quem exerce o poder político, o poder da toga, o poder econômico, o poder da imprensa, o poder paralelo, o poder do crime, todos opressores de um povo em grande parte acovardado, insensível, alienado, apático, abúlico, inerte, indiferente, e politicamente correto, ou por convicção, ou por já estar com a mente estéril e impotente para exercer os seus direitos e sua cidadania.

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