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Infodemia: entre likes e fake news – por Cristiane Sanchez

Estamos em um momento em que nunca se falou tanto sobre saúde. Basta digitar no Google um sintoma qualquer e, em segundos, surgem milhares de respostas. Parece maravilhoso, mas há um problema: nem tudo é verdade. Esse excesso, chamado de infodemia, não apenas confunde, mas pode colocar vidas em risco.

O termo infodemia foi criado pela Organização Mundial da Saúde durante a pandemia de COVID-19. Ele combina duas palavras: informação e epidemia. A ideia é simples: assim como um vírus se espalha rápido e sem controle, o mesmo acontece com notícias, opiniões, boatos e meias-verdades no ambiente digital.

Durante a pandemia, vimos um exemplo claro. Enquanto cientistas corriam para desenvolver vacinas e tratamentos, circulavam nas redes sociais teorias conspiratórias, curas milagrosas e desinformação em escala global. O resultado? Milhões de pessoas hesitaram em se vacinar ou recorreram a práticas sem eficácia comprovada.

No Brasil, essa dinâmica continua visível em diferentes áreas da saúde. Um exemplo atual é a explosão de buscas por análogos de GLP-1, medicamentos voltados para o tratamento da diabetes tipo 2, mas que ganharam fama pelo emagrecimento rápido. O interesse é legítimo, mas a enxurrada de conteúdos falsos abriu espaço para golpes, anúncios fraudulentos e venda ilegal de medicamentos. A ANVISA precisou intervir para alertar a população.

Outro caso preocupante é a comercialização de atestados médicos e receitas falsas em plataformas digitais, um fenômeno denunciado pela imprensa nacional em agosto de 2025. Nesse cenário, a infodemia não é apenas um excesso de informação, mas um mercado paralelo da desinformação, onde pessoas podem sofrer consequências graves, tanto jurídicas quanto de saúde.

O problema vai além de casos pontuais: a infodemia mina a confiança social, compromete políticas públicas de prevenção e enfraquece a adesão a tratamentos. E quando se trata de saúde, confiança é tudo.

Vacinas e a onda de fake news

A queda na cobertura vacinal no Brasil não pode ser explicada apenas por questões logísticas. A propaganda antivacina e a desinformação sobre a segurança das vacinas, incluindo as de RNA mensageiro, têm papel central. Notícias falsas sobre supostos efeitos colaterais graves circulam com velocidade, muito maior do que os comunicados oficiais conseguem alcançar.

O resultado é que doenças que já estavam controladas, como o sarampo, voltam a preocupar. E não é porque faltam vacinas, é porque falta confiança.

Saúde mental na era digital

A saúde mental de crianças e adolescentes também sofre com essa avalanche informacional. Expostos a conteúdos nocivos, desde padrões irreais de beleza até desafios perigosos, muitos jovens experimentam ansiedade, depressão e dificuldades de autoestima.

Em agosto de 2025, a Câmara dos Deputados promoveu um debate que destacou justamente esse ponto: “as emoções estão adoecendo cada vez mais cedo no contato com as redes digitais”. A fala reflete uma preocupação crescente: como proteger as novas gerações em um espaço digital que parece feito para explorar vulnerabilidades emocionais?

Tratamentos milagrosos e o risco da automedicação

Quem nunca recebeu no WhatsApp uma receita milagrosa para emagrecer, curar dores ou até mesmo prevenir câncer? Essa prática, que mistura crenças populares, marketing agressivo e desinformação, é um dos pilares da infodemia.

O problema é que, além de serem ineficazes, muitos desses supostos tratamentos podem ser perigosos. A automedicação baseada em informações falsas já levou inúmeras pessoas a complicações graves, sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde.

Por anos, empresas de tecnologia alegaram que poderiam se autorregular. O discurso era sedutor: “confiem em nós, temos inteligência artificial para identificar e remover conteúdos nocivos”. Mas a realidade mostrou outra coisa: os algoritmos muitas vezes amplificam o que gera engajamento, e poucas coisas engajam mais do que a polêmica, o medo e a conspiração.

Esse fracasso abriu espaço para uma nova fase: a regulamentação das mídias sociais. Em 2025, representantes da Suprema Corte, do Congresso e do governo brasileiro chegaram a um consenso: a autorregulação falhou. Agora, o debate gira em torno de como implementar regras claras para responsabilizar as plataformas pela proliferação de conteúdos nocivos.

O elo entre desinformação e políticas públicas

A infodemia é mais do que um problema individual. Quando milhões acreditam em mentiras, as consequências recaem sobre todos. Campanhas de vacinação perdem impacto, programas de saúde mental se tornam insuficientes, e até a diplomacia em saúde pode ser prejudicada.

Um estudo da UFMG mostrou que a desinformação em saúde não é apenas ruído: é um fator de risco coletivo, capaz de sabotar políticas públicas inteiras. Assim, lidar com a infodemia exige uma abordagem transversal: educação, ciência, comunicação pública e, sim, regulação.

Se a infodemia é inevitável em tempos digitais, como podemos reduzir seus danos?

  1. Educação digital e em saúde. Precisamos formar cidadãos capazes de identificar uma fonte confiável, questionar o que recebem e buscar orientação médica antes de tomar decisões importantes. Isso não é luxo, é necessidade.
  2. Campanhas de comunicação transparente: Instituições públicas e privadas devem investir em comunicação clara, rápida e acessível. Um comunicado técnico de 20 páginas pode até ser útil para especialistas, mas não convence quem foi impactado por um vídeo de 30 segundos no TikTok. A linguagem precisa ser próxima, humana e direta.
  3. Responsabilização das plataformas: Sem regras, o lucro das empresas de tecnologia continuará sendo mais importante do que a saúde pública. A regulamentação deve ser equilibrada: proteger a liberdade de expressão, mas impedir que mentiras perigosas circulem sem controle.
  4. Proteção a públicos vulneráveis: Crianças, adolescentes e idosos são especialmente suscetíveis à desinformação. Criar barreiras contra conteúdos nocivos para esses grupos é um passo essencial.
  5. Fortalecimento da ciência como fonte de confiança: Mais do que combater fake news, precisamos reconstruir a confiança na ciência. Isso significa investir em pesquisadores, valorizar profissionais de saúde e mostrar, com exemplos práticos, que ciência salva vidas.

A infodemia não é um problema periférico, mas um desafio transversal que atravessa todas as áreas da saúde. Do risco da automedicação à baixa adesão vacinal, do impacto na saúde mental dos jovens à venda ilegal de medicamentos, a desinformação sabota a eficácia de cada política pública.

Vencer esse desafio não será simples. Mas já aprendemos uma lição fundamental: informação não é só poder, é também responsabilidade. Ao compartilhar, acreditar ou ignorar um conteúdo, cada um de nós participa dessa dinâmica. O futuro da saúde no Brasil, e no mundo, dependerá da nossa capacidade de transformar a abundância de informações em sabedoria coletiva. E isso começa por reconhecer: informação salva, desinformação adoece.

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