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Mercadores de sonhos em tempos de eleições. Por Roberto Livianu

Candidatos requentam propostas que já deram errado em outras cidades como possível solução, por isso, é preciso redobrar a atenção.

Em tempos de campanhas eleitorais, as propostas mais mirabolantes são apresentadas aos eleitores, algumas passando inclusive a fazer parte do anedotário político nacional, como o fanfarrônico aerotrem do não menos fanfarrônico Levy Fidelix, do PRTB.

Refiro-me ao anedotário porque jamais a tal proposta foi detalhada concretamente. Simplesmente o suposto aerotrem era proclamado aos risos pelo “garoto-propaganda” e dono do partido, evidenciando saber que seria obviamente irrealizável e só uma história da carochinha de campanha.
 

Uma notícia recente nos informa que o mesmo partido lendário, o PRTB, deu R$ 750 mil do Fundo Eleitoral a Samuel Alves de Azevedo Andrade, dirigente do partido, sendo ele nada menos que o maior beneficiário do fundo, na qualidade de secretário-geral, via seu próprio escritório de advocacia, cujo capital social é de ínfimos R$ 20.000.

No entanto, o mesmo partido, que tem o beneficiário da transferência na alta cúpula, foi despejado de sua sede paulista por falta de pagamento.

Penso ser importante jogar luz nestes fatos, pois sempre vale lembrar que temos o maior Fundo Eleitoral do planeta, fora o Fundo Partidário. Além de métodos nada preocupados com a prevalência do interesse público, nada democráticos nem transparentes de destinação destes recursos, como evidencia a reportagem.

Falta-nos Código de Defesa do Eleitor e Lei de Responsabilidade Eleitoral além de recall de mandato. Assim, sonhos e mais sonhos são empilhados e vendidos impunemente, sendo o único filtro o senso crítico e a inteligência do eleitorado, num país com números pífios em matéria de educação.

Nestas eleições, um dos candidatos a prefeito de São Paulo, outsider, reapresentou uma ideia, que não é nova, bastante demagógica e populista, de instalar teleféricos nas comunidades, para supostamente resgatar a honra e a autoestima dos respectivos moradores. É óbvio que custaria uma verdadeira fortuna aos cofres públicos e não menos óbvio que não foi apresentado qualquer estudo minucioso a este respeito.

Mas há um precedente relevante, de conhecimento público envolvendo o tema teleféricos na cidade do Rio, exatamente a mesma cidade onde tivemos a tragédia do Palace 2 em fevereiro de 1998, com 8 mortos e 120 feridos, envolvendo a Construtora de Sérgio Naya, que utilizava areia da praia para lucrar mais, construindo edifícios inseguros.

Lá, também se construiu uma ciclovia com pavimento solto (sem fixação) sobre o mar, sem se prever que a maré subiria (algo que ocorre há bilhões de anos), matando, em abril de 2016, ciclistas que a utilizavam. Isso para ficar em apenas 2 exemplos bizarros, além dos teleféricos, dos quais falarei mais minuciosamente.

Por ocasião dos preparativos relacionados às Olimpíadas do Rio, foi apresentada a ideia de construir teleféricos nas comunidades, para uso durante os Jogos e que ficariam como um legado. Naquela ocasião, eram bem conhecidos 2 modelos próximos a nós –o boliviano e o colombiano.

Trocando em miúdos, simplificando, o modelo colombiano foi implantado para atender uma demanda bem menor, mais voltada para o turismo. O modelo boliviano foi instalado para atender as necessidades de mobilidade da própria comunidade e não só para a pequena demanda do turismo, com muito mais durabilidade.

Por motivos que jamais foram efetivamente esclarecidos, mas que apontam na contramão da prevalência do interesse público, escolheu-se indevidamente o modelo colombiano em detrimento do boliviano, que seria o correto do ponto de vista da eficiência, da moralidade administrativa e do bem da comunidade.

A obra foi contratada, os recursos foram despendidos e, em poucos anos, em razão da previsível excessiva utilização, que se compatibilizava com o modelo boliviano, a aparelhagem começou a apresentar defeitos e, sem a necessária manutenção, hoje se encontra toda sucateada.

Como se não bastasse, é alvo constante das quadrilhas que saqueiam cobre e outros metais do sistema de teleféricos para venda, o que levou à total deterioração da estrutura dos equipamentos, sem o devido enfrentamento dessa criminalidade por parte das forças de Segurança Pública.

Como se não fosse suficiente o prejuízo já acumulado decorrente da péssima opção administrativa, chega-se a cogitar em investir mais dinheiro público num sistema falido.

O sistema de teleféricos do Rio hoje é um dos maiores escombros-símbolo de más escolhas administrativas e quase 15 anos depois deste malogro, contando com o esquecimento ou ignorância do povo, novos candidatos requentam a proposta que já demonstrou fracassar em capital vizinha, o que demanda redobrar a atenção nestas eleições que se aproximam.


Fonte: Portal360

Roberto Livianu, 56 anos, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, e a Academia Paulista de Letras Jurídicas. É colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da Rádio Justiça, do STF. Escreve para o Poder360 às terças-feiras.










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